19.1.08

 

A Credibilidade Política


Em dois artigos, nos dois primeiros domingos de Janeiro de 2008, António Barreto desfez o que restava da credibilidade política de José Sócrates.

Deve-se este feito, mais do que à contundência do articulista de peso, que Barreto é, à sua credibilidade de analista político. Barreto tem-na ganho, desde que, em boa hora, abandonou o círculo eticamente vicioso da família dita socialista.

Desde então, Barreto tem solidificado um prestígio merecido de comentador político, de rara credibilidade, coisa de que poucos hoje ainda se podem orgulhar.

Da sua estirpe, só vislumbro mais dois ou três : Vasco Pulido Valente, Miguel Sousa Tavares e Baptista-Bastos. Independentemente das críticas que cada um deles, por motivos próprios, me mereçam, tenho de reconhecer a regular frontalidade com que abordam assuntos e atacam políticas que lhes parecem erradas, praticadas por personagens que lhes suscitam particular aversão, pela incompetência, pela inconsistência na argumentação com que defendem essas políticas e, amiúde até, pela desonestidade intelectual e ética com que actuam.

VPV também já de há bastante tempo se ocupa da crítica acerba a Sócrates, mas dado o seu feitio, a sua imprevisibilidade, a sua frequente incoerência, não logra, por isso, assentimento tão generalizado, como Barreto, que acaba por cobrir a quase totalidade do espectro político, da extrema-Esquerda à Direita-extrema.

Baptista-Bastos, passe a sua fidelidade a um certo velho esquema herdado do anti-fascismo militante, muitíssimo equívoco, como sabemos, por nele se terem acoitado verdadeiros inimigos da liberdade, por que diziam lutar antes do 25 de Abril, ao mesmo tempo que chamavam democracia e paraíso dos trabalhadores aos regimes opressivos do Leste europeu, da China e de Cuba e de todos os lados em que os Comunistas implantaram a sua doutrina política.

Tirante esse importante ponto, no mais, BB tem jus ao respeito que se deve a quem expõe pontos de vista e modos de pensar, sem ambiguidade, com coragem e determinação, sujeitando-se ao contraditório, mas sempre exprimindo claramente o seu pensamento, sem rodeios nem falsidades.

De outros, já nem vale a pena falar, porque ou estão demasiado vinculados a estratégias de Poder ou gravitam em órbitas preferenciais ou optaram por servir o chamado bloco central, pólo de Poder que ameaça dominar e asfixiar o País inteiro.

A base da credibilidade de Barreto revela-se na independência com que emite as suas opiniões, sem curar de as ajustar à cor política do Governo do momento, facto que deveria ser de regra, absolutamente trivial, torna-se, entre nós, já de enorme raridade. E quando os melhores se deixam corromper, tudo o mais é admissível e o pior se pode esperar.

Com Guterres, também sucedeu idêntico fenómeno. A Comunicação Social só deu pela fraude política que Guterres representava, depois de este ter fugido das responsabilidades do seu cargo, aproveitando até um pretexto despropositado para o efeito. Até aí, a sua verborreia encantatória maravilhava toda a Comunicação Social.

Neste momento, porém, o panorama da crítica política em Portugal começa a enegrecer, por deserção de muita gente, que deveria ainda calçar botas e já anda de pantufas, debitando banalidades, tornando-se inócua, apenas servindo para o simulacro de debate social que se encena.

Entretanto, surgem alguns comentadores, mais jovens, que pegam nos temas, mais pelo lado humorístico, que também pode ser corrosivo, mas o facto de terem uma permanente preocupação com o tom humorístico dos textos, querendo sempre fazer piada, produzir hilaridade forçada, limita e dilui o carácter eventualmente corrosivo das suas pretendidas intervenções.

Certos temas de enorme actualidade servem para aferir da isenção e da combatividade dos nossos comentadores políticos : o caso do imbróglio do BCP, a ingerência do Partido do Governo na dita solução administrativa para o BCP, o caso das disparidades salariais em Portugal e outros menores com estes relacionados.

A recente chamada de atenção do Presidente da República, na sua mensagem de Ano Novo, para o exagero dos salários dos Gestores de Empresas em Portugal não despertou o debate que se esperaria de tão momentoso tema.

Parece não carecer de demonstração a asserção de que o desnível salarial atingiu já foros de verdadeiro escândalo, que nenhuma teoria económica ou de gestão pode justificar.

Podem aduzir-se para a discussão muitos gráficos e tabelas comparativas, entre profissões, funções desempenhadas, etc., em agrupamentos vários : por ramos de actividade, por resultados de exercício das empresas, etc., etc.

De qualquer ângulo sob que se analise o tema, ressalta como uma terrível evidência a desproporção dos proventos percebidos, não por razões de produtividade ou de desempenho individual, que só por excepção se verificará, mas por pura razão de pertença a um pequeno grupo, que funciona como restrito clube de Administradores ou Gestores de Empresas, quase todas saídas do bojo do Estado, há mais ou menos anos.

Para tão selecto clube entraram certos felizardos, na sua maioria, fundamentalmente, por um qualquer regime de favorecimento ou compadrio activo, engendrado por amizades, conhecimentos pessoais directos ou interpostos, afinidades de circunstância, troca de favores ou, cada vez menos, por identificação política, hoje remota, vagamente ideológica, antes de raiz partidária, entendida esta suposta identificação como mero expediente de prestação de favores, profícuo agenciador de empregos, de sinecuras e demais prebendas.

Espanta ver pessoas ditas socialistas ou social-democratas, de tal forma congraçadas com esta realidade denunciada no discurso do Presidente, que até chegaram ao ponto de o acusar de prática de demagogia.

Tal comportamento confirma a profunda corrupção operada nas mentes de esta gente tão insuportavelmente presunçosa, que nem sequer se inibe de censurar quem, timidamente e com atraso, acabou por verberar a assimetria social assim gerada e que não tem cessado de se agravar.

Dirão alguns que se trata do efeito do Mercado, que assim ditou tal assimetria, quando sabemos que, pelo menos em Portugal, muitos dos imaginados gurus da gestão actuam fora do Mercado, apesar dele e a coberto dele, beneficiando de uma vasta rede de contactos, de amizades e de influências, que lhes proporcionam o acesso a carreiras deslumbrantes, equivalentes ou até mais vantajosas que muitas similares no estrangeiro.

Desde os que só conheceram as maravilhas da Gestão, após passagem pelo Governo ou pela Política, em geral, aos que iniciam carreiras pelo topo, ultrapassando profissionais que, com honestidade e competência, consomem os dias da sua vida, sem nunca atingirem posições de relevo nas Empresas ou no Estado, toda esta realidade é bem conhecida da maioria dos cidadãos.

O Mercado tem costas largas e convém atribuir-lhe toda a responsabilidade dos desníveis salariais, mas que dizer de grupos que estipulam, a seu bel-prazer, quanto devem receber por mês e quanto lhes deve caber na repartição anual de lucros obtidos com o esforço de todos, mas distribuídos com total discricionaridade, privilegiando sempre quem exerce a função de repartição dos proventos ?

A competência profissional é algo que deve ser reconhecido e premiado, assim como se deve recompensar quem excede as expectativas, desenvolve mais trabalho, quem demonstra mais iniciativa e se revela capaz de inovar métodos de trabalho na sua esfera de competência.

Porém, isto nada tem que ver com a realidade dos desníveis salariais em Portugal. Trata-se de um fenómeno recente, com cerca de vinte e poucos anos, de que muita gente se alheou ou de que se inibiu de falar, por receio de conotação política inconveniente, comunista, por regra.

É tempo de repudiar esta inibição e denunciar um escândalo que surdamente se foi ampliando na sociedade portuguesa, com a complacência, mais uma vez, dos Partidos moderados, do chamado bloco central, cujos dirigentes têm, em grande medida, dele beneficiado e, por isso mesmo, tanto o têm tolerado e naturalmente nele consentindo.

Dada a importância e oportunidade do assunto, é justo que sobre ele se multipliquem as intervenções de todos os que mantêm uma reserva de consciência ética, vinda lá do fundo da nossa condição humana, com ou sem fundamentação religiosa.

AV_Lisboa, 19 de Janeiro de 2008

Comments:
Os seus comentários são uma real mais valia...continue, a sua imparcialidade(ainda não descobri qual é qa sua cor politica...) não é muito frequente neste pais de "amiguismos"...
 
Caro Leitor Anónimo,

Deixe-me registar o seguinte : o mais importante não é a cor política, que, como a presunção e a água benta, cada qual toma a(s) que quer; o que realmente importa é analisar os factos, enfrentando a verdade, sem distorcer a realidade, de modo a acomodá-la aos interesses particulares ou às simpatias naturais que cada um acalenta em relação a este ou àquele agrupamento político-partidário.

É esta a minha visão dos problemas e o meu propósito de acção; os outros julgarão da minha coerência.
 
Sem dúvida! A "cor política não é importante", assino de cruz mas, não é isso que se constata neste país, logo, quando alguém não "compactua" com esse "clubismo de interesses", já é inédito... eu, que tento estar minimamente atenta, não poderia deixar de "reparar" nas suas análises dos factos.
Continue... Parabéns pela qualidade do blogge.
 
Parabéns por este seu blogue, meu caro.

Permito-me assinalar, sobre este 'post' em particular, que concordo em absoluto com o que diz sobre António Barreto.

O meu reparo - opinativo, pois claro - vem depois: Vasco Pulido Valente, o eterno derrotista angustiado, não deixa de ser uma referência que fez bem em não esquecer; Baptista Bastos tem alguns 'tiques' que, por estarem aqui bem referidos, confirmam a lisura da sua análise; já Miguel Sousa Tavares, habitualmente, convenhamos que nada costuma acrescentar ao que qualquer de nós, desde que um tanto desabrido, possa dizer.

Posto isto, fiquei apenas desconsolado pelo que considero uma falha imperdoável. Talvez antes de Vasco Pulido Valente e de Baptista Bastos e claramente antes de Miguel Sousa Tavares, ficou esquecido aquele a quem eu antes chamava 'o António Barreto do PSD': José Pacheco Pereira.

Contornado por razões pessoais da sua parte? Provoca-lhe irritações de pele ou pelos iriçados? Acho tudo isso legítimo. Mas tinha de deixar que isso pudesse inferir-se do seu texto. Agora, assim ignorado 'tout court', já me parece imperdoável.

Em suma: eu emparceiro Pacheco Pereira com Barreto e passava ao lado de Sousa Tavares sem qualquer problema, até pela falta de conteúdo da presença regular num noticiário que não é muito mais do que uma espécie de revista 'Caras' ou 'Lux' em formato televisivo...
 
Faltou-me, no comentário anterior, dar conta de outra coisa: virei mais vezes.

Um abraço.
 
Caro João Carvalho,

Agradeço a visita e os comentários.

Se verificar com atenção, no texto, há uma passagem que se aplica a JPP : « Espanta ver pessoas ditas socialistas ou social-democratas, de tal forma congraçadas com esta realidade, denunciada no discurso do Presidente, que até chegaram ao ponto de o acusar de prática de demagogia.» e a outros conhecidos comentadores e actores desta área política.

Considero que JPP tem hoje muitas posições favoráveis às teses do neo-liberalismo económico-financeiro e pouco ou nada faz em prol da Social-Democracia, mitigada que seja.

A sua múltipla intervenção mediática perdeu eficácia política.

Seria melhor que se circunscrevesse à sua actividade de comentador ou de analista político e nos seus artigos procurasse a objectividade, em lugar de se entregar a divagações supostamente críticas, em torno de ninharias do quotidiano.

Nem percebo porque se mantém no PSD, se até já acusa o PR de cedência à demagogia, por este ter criticado, e bem, o exagero dos desníveis salariais, os maiores da Europa.

Nada disto que digo impede que lhe reconheça valor, méritos intelectuais, etc.

Apenas me pronuncio aqui sobre a sua eficácia política no espaço da SD, que hoje reputo de irrelevante.

Volte sempre que quiser.
 
Genericamente de acordo, meu caro António Viriato: é difícil entender o que ainda faz José Pacheco Pereira entre os sociais-democratas. Apenas entendo - e parece que também não discordamos nisso - que o seu 'discurso' merece atenção e relevo, ainda que muitas vezes discutível (o que é inteiramente normal e saudável), posto que é um homem de indiscutível cultura e conhecimento. O que só serve, aliás, para ampliar (a meu ver) o contraste com outros 'opinadores de serviço', como Miguel Sousa Tavares, por exemplo...
 
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